Artigo publicado no libro SEM COMPANHIA, editado por João Trabulo / Periferia Filmes para a exposición homónima no Centro Português de Fotografia, no Porto. A exposición permanecerá aberta do 15 de xaneiro ao 27 de febreiro. O filme pode verse na Serralves o vindeiro domingo 16 de xaneiro.
Construir a verdade
É já recorrente afirmar que a zona híbrida entre ficção e realidade é uma das mais férteis do cinema contemporâneo, no entanto as propostas mais estimulantes são aquelas que transcendem qualquer etiqueta, as que dinamitam as fronteiras artificiais entre os dois mundos. Às obras que não exigem definição não podemos perguntar “o que são”, em que categoria devemos encaixá-las. Encontram-se no território da criação pura, sem limites.
A essa estirpe de filmes pertence SEM COMPANHIA. João Trabulo entrou na prisão de Paços de Ferreira sabendo o que não devia filmar. Não fazia sentido um retrato distanciado e ascético do dia-a-dia atrás das grades, nem recriar um registo miserabilista do quotidiano de uma prisão; e seria obsceno pretender dar uma visão romântica de pessoas condenadas e sem liberdade. Não podemos ser o outro, mas podemos compreendê-lo e para isso não basta observá-lo, é necessário conviver. Aprendemos isso de Pedro Costa: é preciso metermo-nos no quarto com Vanda. Temos que estar dentro, com os presos, para assim entendermos as suas rotinas, os seus hábitos, descobrindo assim a imagem que querem dar de si mesmos. Só através desse conhecimento do real é que podemos construir a verdade, a partir de um acto genuíno de criação e não de revelação, pois a arte, como disse Paul Klee, não reproduz o visível, faz o visível.
É nessa criação conjunta que participam os dois personagens do filme, Marcos Ernesto e Paulo Gaspar, cujo magnetismo ultrapassa o ecrã. Assistimos às suas conversas nas celas, às caminhadas nos pátios, os seus momentos de trabalho, de jogo, de espera. Não há ilusão nem lamento, não há alegria nem amargura. A prisão, um dos grandes fracassos da nossa sociedade, é um parêntesis na vida e nele as palavras perdem sentido; tudo o que interessa está lá fora, noutro tempo, noutro lugar. Fora está o mar, destino de um dos protagonistas, a quem veremos trabalhar num cargueiro. O plano final podia ter sido retirado de um filme de Peter Hutton, mas a sensação é bem diferente: no oceano sobra o espaço, mas o nível de clausura parece o mesmo. A prisão é um parênteses que deixa marcas para sempre.
Com a ajuda da extraordinária fotografia de Miguel Carvalho, que consegue resultados impressionantes, João Trabulo constrói um filme extremamente rigoroso. A escolha dos cenários é acertada e a composição de cada plano revela com exactidão os contrastes de luz e sombra. Deixa que os actores falem, que as cenas captem ar e força. Como resultado consegue cinema de enorme qualidade, limpo e honesto: o procedimento pode ser ou não mentira, mas os sentimentos esses são absolutamente verdadeiros.
Martin Pawley
para saber máis: artigo de Robert Koehler en Variety
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