Foi á volta da rodaxe en Cabo Verde de Casa de lava que Pedro Costa tomou contacto co barrio de Fontainhas. Traía de
alá, da Ilha de Fogo, correspondencia para os emigrantes que moraban en
Lisboa; o reparto das cartas supuxo o descubrimento dese lugar e a súa
xente e diso acabou nacendo un novo filme, Ossos, que foi unha
revelación, un final e un principio. O grande artificio xa non servía:
as cámaras de 35mm, o equipamento de luz e son e o barullo que implica
unha produción típica, por pequena que sexa, entraban en contradición
estética e ética co obxecto rexistrado. No sucesivo sería preciso
ensaiar un método diferente. Sería preciso intimidade, dedicación,
convivencia diaria; sería preciso tempo e traballo, rigoroso e
sistemático. Paradoxalmente, a ruptura co procedemento convencional e a
redución da equipa ao mínimo devolvía certo clasicismo, o regreso á
noción do cinema coma oficio e a rutina dunha xornada laboral por
cumprir, unha visión no fondo non moi afastada do vello sistema de
estudios do Hollywood dos anos 30 e 40. Iso foi No Quarto da Vanda.
Facer horas, ollar, escoitar, aprender.
O seguinte paso foi
construír a verdade dende a ficción. Juventude em marcha, unha
revolución, deunos a coñecer a Ventura, un dos moitos caboverdianos de
Fontainhas recolocados nas vivendas brancas, sen personalidade, de Casal
da Boba. Entre eses dous lugares, en diálogo con personaxes do pasado e
do presente, discorría un filme de beleza extrema, fantasmal, unha
demostración de humanismo e dignidade. A aposta radicalízase agora no
fermosísimo enigma que é Cavalo Dinheiro, relato soñado ou delirio dun
Ventura máis vello e enfermo cuxa memoria fica ligada ao 25 de abril. O
reverso dese día de esperanza e liberdade é un 25 de abril de medo e
incerteza para os inmigrantes que viñeran das colonias, obreiros
apavorados ante a posibilidade de seren presos ou expulsados, inquietos
ante un futuro convulso. Pasaron xa corenta anos mais segue a ser unha
memoria moi viva: non hai onte e hoxe, é todo o mesmo na cabeza de
Ventura. Canda el, Vitalina, que só dá chegado a Lisboa tras a morte do
marido, xa demasiado tarde. Cavalo Dinheiro é un coro de espectros e
zombies cargados de sufrimento e dor, de sacrificios e derrotas. Homes e
mulleres coas cicatrices das ilusións perdidas a camiñaren entre ruínas
e sombras, sempre á marxe da Historia, invisíbeis. Unha fantasía
expresionista que engrandece as posibilidades da imaxe dixital, arte
povera que Costa sublima a forza de depuración absoluta, de “obscurecer a
obscuridade”, de poñer quitando. A forza de tempo e traballo, digámolo
máis unha vez. O resultado é un exorcismo colectivo, unha experiencia
sensorial que nos abala e transforma, unha obra maior que inspira, sobre
todo, palabras de agradecemento. Palabras que é xusto repetir sempre
que houber ocasión: Obrigado, Pedro. Obrigado, Ventura. Obrigado,
Vitalina.
Martin Pawley. Texto para a folla de sala da proxección de Cavalo Dinheiro no programa Há Filmes na Baixa do Porto/Post/Doc.
Versión portuguesa do texto feita por Daniel Ribas:
ResponderEliminarCAVALO DINHEIRO
Foi no regresso da rodagem em Cabo Verde de "Casa de lava" (1994) que Pedro Costa tomou contacto com o bairro das Fontainhas. Trazia de lá, da Ilha de Fogo, correspondência para os emigrantes que moravam em Lisboa; a distribuição das cartas supôs o descobrimento desse lugar e da sua gente e disso acabou nascendo um novo filme, "Ossos" (1997), que foi uma revelação, um final e um princípio, ao mesmo tempo. O grande artifício já não servia: as câmaras de 35mm, o equipamento de luz e som e o barulho que implica uma produção típica, por pequena que seja, entravam em contradição estética e ética com objeto registado. No filme seguinte seria preciso ensaiar um método diferente. Seria preciso intimidade, dedicação, convivência diária; seria preciso tempo e trabalho, rigoroso e sistemático. Paradoxalmente, a rutura com o procedimento convencional e a redução da equipa ao mínimo devolvia um certo classicismo, o regresso à noção do cinema como oficio e à rotina de uma jornada laboral por cumprir, uma visão no fundo não muito afastada do velho sistema de estúdios do Hollywood dos anos 30 e 40. Isso foi "No quarto da Vanda" (2000). Fazer horas, olhar, escutar, aprender.
O seguinte passo foi construir a verdade como ficção. "Juventude em marcha", uma revolução, deu-nos a conhecer a Ventura, um dos muitos cabo-verdianos das Fontainhas recolocados nas vivendas brancas, sem personalidade, de Casal da Boba. Entre esses dois lugares, em diálogo com personagens do passado e do presente, discorria um filme de beleza extrema, fantasmal, uma desmonstração de humanismo e dignidade. A aposta radicaliza-se agora no formosíssimo enigma que é "Cavalo Dinheiro", relato sonhado ou delírio de um Ventura mais velho e doente cuja memória fica ligada ao 25 de Abril. O reverso desse dia de esperança e liberdade é um 25 de Abril de medo e incerteza para os imigrantes que vieram das colónias, trabalhadores apavorados pela possibilidade de serem presos ou expulsos, inquietos por um futuro convulso. Passaram já quarenta anos mas mantém-se uma memória muito viva: não há ontem e hoje, é tudo o mesmo na cabeça de Ventura. Também com ele, está Vitalina, que só chegou a Lisboa depois da morte do marido, já demasiado tarde. "Cavalo Dinheiro" é um coro de espectros e zombies carregados de sofrimento e dor, de sacrifícios e derrotas. Homens e mulheres com as cicatrizes das ilusões perdidas a caminharem entre ruínas e sombras, sempre à margem da História, invisíveis. Uma fantasia expressionista que engrandece as possibilidades da imagem digital, arte povera que Costa sublima a força da depuração absoluta, de “obscurecer a obscuridade”, de colocar tirando. A força do tempo e do trabalho, digamos uma vez mais. O resultado é um exorcismo coletivo, uma experiência sensorial que nos abala e transforma, uma obra maior que inspira, sobretudo, palavras de agradecimento. Palavras que é justo repetir sempre que houver ocasião: Obrigado, Pedro. Obrigado, Ventura. Obrigado, Vitalina.
Martin Pawley (crítico de cinema)