Dario Oliveira, codirector do festival de Curtas de Vila do Conde, comparte connosco este excelente e revelador artigo que escribiu para o Jornal de Letras Artes e Ideias
O apoio à cultura em Portugal deveria continuar a sua missão de incentivo à criação e à produção. O anunciado corte radical para o apoio ao cinema feito em Portugal inviabiliza a produção nacional que deveria ser uma prioridade política, o espelho da nossa sociedade, uma forma de fixar os artistas e os jovens que precisam agora mais do que antes de acreditar neles próprios e num futuro em Portugal, todos deveriam ter direito a sonhar com serem felizes e poderem trabalhar sem sair do seu país.
A partir de 2012 corremos o sério risco vermos os jovens partir e de ficarem cá os mais velhos, reformados e doentes, este país é cada vez mais para os idosos. Os que ficarem, ficarão sozinhos, tristes e abandonados por aqueles que nos deviam defender e representar, pois cada vez mais, não representam nem defendem ninguém, defendem-se e representam-se.
Em 20 anos de trabalho regular ao servico da divulgação do cinema feito em Portugal, de militância assumida e de apoio à produção nacional, trabalhei para que o nosso país viesse a ser melhor culturalmente, sempre o fiz, consciente do que seria melhor para o futuro da cultura em Portugal, enquanto diretor permanente do Festival de Curtas Metragens de Vila do Conde, durante a minha missão de programador na Capital da Cultura Porto 2001 onde pude contribuir ativamente para o apoio à produção de vários filmes portugueses e mais recentemente coordenando a produção de 10 curtas metragens nacionais no âmbito do projeto Estaleiro em colaboração com os Cursos Universitários Audiovisuais no norte do país.
O nosso cinema tem sido subsidiado através de meios que não pesam aos contribuintes, ao contrário do que muitos dizem inconscientemente e ficará como testemunho duma época em que houve uma política de apoio à cultura, são imagens, histórias, visões e ideias de uma época, ficarão muito para lá da vida destes políticos, porventura tranquilizados com estas medidas cegas que acabaram de impôr ao país, em breve uma população inteira não terá escolha e contribuirá irresponsávelmente de cada vez que vai ao cinema para as empresas americanas que directa ou indiretamente controlam a distribuição de cinema de entretenimento em Portugal.
Alguém nos bastidores, andará a informar muito mal o Senhor Primeiro Ministro e o Senhor Secretário de Estado da Cultura, pois parece-me muito pouco provável que alguém no pleno domínio de todas as informações relevantes e verdadeiras sobre estas matérias se aventure a cortar a 100% os apoios ao cinema português. Afinal o dinheiro que vai faltar, vinha das taxas de publicidade da televisão, para onde irá esse dinheiro agora?
Os esperados 30% de corte para o cinema, à imagem do que se passa na generalidade, seriam coerentes com as políticas atuais, mas arruinar desta forma aquilo que é um património audiovisual em ascensão e uma rede de produtoras e de postos de trabalho que geram e produzem bens culturais, negando o direito de apoiar um dos nossos maiores bens culturais? Porquê? Ainda por cima a tão baixo custo.
O cinema português conseguiu ao longo das ultimas décadas, sobreviver primeiro, depois alargar horizontes e mercados e impôr-se junto da crítica e dos circuitos de distribuição internacionais e agora mais do que nunca apresenta-se com capacidade de continuar a crescer, mas alguém deseja a sua morte e isso sim é grave. Assim sendo, alguém ficará na história como o carrasco desta morte anunciada.
Grave, também, será a situação de toda uma rede profissional que cresceu nas últimas décadas e que é sem dúvida parte importante das indústrias criativas, geradoras de trabalho e de rendimento. Para muitos, será a falência imediata. Perderemos todos, cultural e socialmente, serão mais umas centenas de desempregados, a que muito poucos políticos serão sensíveis.
Quero deixar um apelo para que todos, nas universidades, nas redes sociais, em casa, com os amigos não deixem de falar sobre este atentado à cultura que todos estamos a acompanhar, com um único objetivo, espalhar a verdade e mobilizar a opinião pública. É um dever cívico que nos assiste a todos.
Poucos conhecem por dentro os verdadeiros mecanismos de financiamento público para a cultura em Portugal e por isso somos facilmente manipulados em termos de opinião, a gravidade e irresponsabidade dos nossos governantes relativamente a estes assuntos, não deveria ficar apagada com o silêncio de uma sociedade que se quer livre e esclarecida.
Avizinha-se um período mais ou menos longo onde nos vamos habituar a viver em Portugal, um país sem cinema, sem arte e sem jovens.
Em fevereiro próximo o filme Tabu de Miguel Gomes representa dignamente o cinema feito em Portugal na Competição Oficial de um dos mais importantes Festivais Internacionais de Cinema, em Berlim. O meu maior desejo é que triunfe aos olhos do júri, dos críticos e do público. O cinema português assim o merece.
Dario Oliveira
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